Apocalipse Motorizado - Atividade do Segmento 2


Apocalipse Motorizado



UM DOS MARCOS DA DECEPÇÃO com as autoridades no país foi, em 2002, a liberação do marketing da indústria de cigarro durante o Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1. A polêmica foi imensa, com as lamentações envergonhadas de alguns e a alegria incontida da direita tucanal que pôde mais uma vez cantar seu refrão vitorioso: “Somos todos iguais!”. No entanto, em meio a tantas considerações a respeito do que significam as propagandas de cigarro e do mau exemplo que seriam para a juventude, não houve nem uma boa alma a lembrar que, se estamos realmente levando a sério essa conversa, o que, antes de tudo, deveria ser proibido é o próprio Grande Prêmio de Fórmula 1. Existe exemplo pior para um país que é líder em acidentes de automóvel? Os números são espetaculares: “O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) fala em cerca de 20 mil mortos por ano no trânsito das cidades e das estradas. Os números reais, embora não oficiais, estariam entre 35 mil e 50 mil mortos por ano”.1 Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), são, no Brasil, pouco mais de 1 milhão de pes-soas envolvidas direta ou indiretamente em acidentes de automóvel por ano! Isso porque o IPEA considera apenas acidentes em áreas urbanas e não inclui dados a respeito dos que acontecem nas estradas. Se é razão para os patriotas ficarem orgulhosos das vitórias de seus pilotos na Fórmula 1 ou na Indy, talvez também seja motivo de orgulho saber que “enquanto nos países europeus e nos EUA a média é de duas mortes/ano por 10 mil veículos, no Brasil essa taxa é de 6,8 mortos”. Se usássemos contra as propagandas de automóvel a mesma lógica com a qual se atacam filmes, desenhos animados e música rap, há muito elas estariam proibidas. Veríamos então um destes especialistas em estatísticas demonstrando, por exemplo, que o aumento de acidentes de automóvel no Brasil aconteceu depois da primeira vitória de Fittipaldi na Fórmula 1. Ou afirmando que mulheres se envolvem menos em acidentes graves porque assistem menos a corridas e porque as propagandas típicas de automóvel não são feitas para elas. Não vou aqui, é claro, propor mais uma destas tediosas campanhas moralistas.1 No entanto, é muito mais do que urgente chamar a atenção para o fato de que a relação da sociedade brasileira com o automóvel é especialmente doentia, mesmo para os padrões patológicos com que o mundo ocidental trata do assunto. Pode ser espantosa a constatação de que boa parte da classe média brasileira investe mais em seus carros que em casa própria. Mas ainda mais divertido é ver que essa mesma classe média, que se põe histérica ante a idéia de que o filho adolescente possa ter acesso a um cigarro de maconha ou a um videogame “violento”, vê com declarado orgulho que o mesmo adolescente “já sabe dirigir” aos 14 ou 15 anos. Como se carro não fosse algo muito mais perigoso que um baseado. Isso não é resultado apenas da conhecida ignorância da classe média brasileira. O culto ao automóvel, também ele, tem bases bem terrestres. Relaciona-se diretamente ao projeto de industrialização que resultou do pacto das elites brasileiras com as grandes multinacionais do automóvel. Se tal projeto foi um grande desastre social e ecológico, foi também, por bom tempo, uma maravilha para os números e as estatísticas econômicas. Um dos mais celebrados exemplos de rápida modernização (ao lado da URSS de Stalin, do Chile de Pinochet, da Cingapura de Lee Kuan Yew etc.). Modernização que tornou possível não só a popularização do carro, mas também da TV, dos supermercados, e o surgimento de uma classe operária relativamente mais forte até que sua contraparte, a patética burguesia brasileira. Então é fácil compreender por que mesmo aqueles nostálgicos críticos dos tempos contemporâneos, quando sonham com os “bons tempos”, sonham com Fuscas. Sonham com Juscelino ressurgindo feito um Dom Sebastião motozirado. Sem se atentarem para o fato de que a indústria automobilística brasileira como conhecemos foi na verdade mais um dos tristes frutos da Ditadura Militar. A relação de militares e indústria automobilística já estava na fase simbiótica antes de 1964. O GEIA (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), criado em 1956 para planejar a instalação da indústria no Brasil, tinha a participação da Ford, da General Motors, da Mercedes e da Vemag (a única brasileira da turma). Mas a presidência era de um almirante, Lúcio Meira. Vitorioso o golpe militar, vitoriosas também as multinacionais. Elas ganharam a liberdade para papar suas pequenas concorrentes. A Volkswagen comprou a Vemag, a Alfa Romeo comprou a Fábrica Nacional de Motores, e assim por diante. Enquanto o governo militar massacrava os sindicatos, impunha o arrocho salarial e construía rodovias. Foi o Milagre Econômico. A ligação das multinacionais do automóvel com os militares é ainda mais orgânica. É a ligação da indústria automobilística com a indústria bélica (o brinquedo favorito dos generais). As duas evoluíram juntas, aqui no Brasil também. Diversas empresas forneciam, por exemplo, tornos, prensas e aços especiais para as fábricas de autopeças e também para a indústria de armamentos. É o chamado “ganho de escala”.


1) Qual a relação que o autor faz entre as competições automobilísticas e o crescimento no número de acidentes  no Brasil?
2) O que o autor quer dizer quando se refere ao "culto do automóvel" ? Dê exemplos do texto.
3) Relacione os projetos de industrialização do governo com o a indústria de automóvel.
4) Qual o impasse a ser considerado para tornar a bicicleta um meio de transporte mais atraente?
5) Pense em alternativos para o transporte urbano.

Comentários

  1. 1) o autor relaciona as corridas e sua influência nas pessoas (em geral, homens), com o crescimento dos acidentes.
    2) O autor quer dizer que os brasileiros dão muita importância e supervalorizam os carros, como forma até de status. "Pode ser espantosa a constatação de que boa parte da classe média brasileira investe mais em seus carros que em casa própria."
    3) A industrialização começou na ditadura militar, e os militares tinham ligação direta com as multinacionais automobilísticas, portanto se os militares cresciam, logo as multinacionais cresciam também.
    4) A bicicleta já é usada por várias pessoas que se conscientizaram , porém ainda é um desafio convencer o resto da população, já que ter um carro é motivo de status e burguesia, portanto essas pessoas acharão ainda mais difícil trocar seu conforto e motivo de ostentação por algo tão simples e que 'todo mundo tem'.
    5) O transporte urbano ja vem mudando aos poucos, com a inserção de bicicletas e patinetes elétricos, porém, é perceptível que os automóveis possam ser necessários, portanto estes podem ser usados com mais consciência e até de maneira compartilhada.

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