Uma guerra secreta em 120 países



Quarta, 17 Agosto 2011 02:00
170811_waronterrorRebelión - [Nick Turse, Alternet/TomDispatch, Tradução de Diário Liberdade] Em algum lugar deste planeta, um comando estadunidense está levando a cabo uma missão. Repitam agora isso mesmo setenta vezes e já fizeram bastante... por hoje. Sem que o povo estadunidense saiba nada, uma força secreta dentro do exército dos Estados Unidos está empreendendo toda uma série de operações em uma maioria de países do mundo. Esta nova elite de poder no Pentágono está levando adiante uma guerra global cujo tamanho não havia sido revelado até agora.

Depois que um SEAL [marinheiros que atacam em terra, água e ar, “Sea, Air Land” – N.T.] da Marinha dos Estados Unidos lhe atingiu uma bala no peito e outra na cabeça de Osama bin Laden após assaltar o recinto onde escondia no Paquistão, uma das unidades mais secretas de operações encobertas do exército estadunidense encontrou-se de repente com o fato de que sua missão havia se convertido no centro da atenção público. Algo pouco comum. Ainda que se saiba bem que as Forças de Operações Especiais dos EUA estão empregadas nas zonas de guerra do Afeganistão e Iraque, e cada vez está mais claro que essas unidades atuam em zonas conflituosas difíceis, como Iêmen e Somália, a extensão total de sua guerra, de amplitude mundial, permaneceu profundamente oculta nas sombras.
No ano passado, Karen De Young e Greg Jaffe, do Washington Postinformaram que as Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos estavam empregadas em 75 países, subindo essa cifra dos sessenta ao final da presidência de George W. Bush. O porta-voz do Comando das tais Operações Especiais, Tim Nye, disse-me que, para o final desta cifra chegará aos 120. “Não paramos de mover-nos, não se trata só de Afeganistão ou do Iraque”, disse recentemente. Esta presença global – aproximadamente em torno de 60% das nações do mundo e muitíssimo mais que anteriormente se reconhecia – proporciona uma nova e surpreendente prova da existência de uma crescente elite de poder clandestina dentro do Pentágono que está empreendendo uma guerra secreta por todas as esquinas do planeta.
O surgimento do “exército secreto” do exército
Surgido a partir do falido assalto de 1980 que tratou de resgatar os reféns estadunidenses no Irã e no qual morreram oito soldados estadunidenses, o Comando de Operações Especiais estadunidenses (SOCOM, sigla em inglês) foi criado em 1987. Uma vez que o exército regular superou o receio e a escassez de fundos dos anos pós-Vietnã, as Forças de Operações Especiais se encontraram de repente tendo uma única casa, orçamento estável e um comandante de quatro estrelas como defensor.
Desde então, o SOCOM cresceu em proporções alarmantes como força combinada. Está composto por unidades de todos os ramos do exército, incluindo os “Boinas Verdes” e os Rangers, os SEAL da Marinha, os comandos da Força Aérea e as equipes de Operações Especiais do Corpo de Fuzileiros, além de tripulações especializadas de helicópteros, equipes de barcos, pessoal de assuntos civis, corpos de resgate paramilitares e inclusive controladores de tráfico aéreo de batalhas e meteorologistas de operações especiais; o SOCOM leva a cabo as missões mais secretas e especializadas dos Estados Unidos.
Essas missões incluem assassinatos, ataques contraterroristas, missões de reconhecimento de amplo alcance, análise de inteligência, treinamento de tropas estrangeiras e operações de contraproliferação de armas de destruição em massa.
Um de seus componentes chave é o Comando de Operações Especiais Conjunta, o JSOC (sigla em inglês), um subcomando clandestino cuja principal missão é a perserguição e assassinato de supostos terroristas. Ao apresentar seus informes ao presidente e atuar sob sua autoridade, o JSOC mantém uma lista negra global que inclui também cidadãos estadunidenses. Segue desenvolvendo uma campanha de “caça e captura” extralegal que John Nagl, um antigo assessor de contrainsurgência do general de quatro estrelas e próximo diretor da Agência Central de Inteligência – CIA (sigla em inglês), David Petraeus,chama “uma máquina de matar contraterrorista em escala quase industrial”.
Esse programa de assassinatos é desenvolvido por unidades de comandos como os SEAL da Marinha e Força Delta do Exército, bem como mediante ataques de aviões não tripulados, formando parte das guerras secretas nas quais a CIA está implicada em países como a SomáliaPaquistão e o Iêmen. Além disso, o comando dirige e controla uma rede de prisões secretas, talvez até vinte sítios clandestinos, só no Afeganistão, que utilizaram para interrogar para objetivos muito valiosos.
Industria em crescimento
De uma força de cerca de 36 mil membros no início da década de 1990, o pessoal do Comando de Operações Especiais cresceu até chegar aos 60 mil, dos quais uma terceira parte são membros de carreira do SOCOM; o restante tem outras especialidades ocupacionais militares e vão se revezando por todo o Comando.
O crescimento foi exponencial desde 11 de setembro de 2001, quando o orçamento base do SOCOM quase triplicou de 2.3 bilhões de dólares para 6.3 bilhões. Se se acrescenta o financiamento para as guerras no Iraque e no Afeganistão, atualmente mais que quadruplicou chegando até os 9.8 bilhões de dólares ao longo destes anos. Não é surpreendente que a cifra de seu pessoal empregado no exterior tenha também quadruplicado. Novos incrementos e operações ampliadas aparecem pelo horizonte.
O tenente geral Dennis Hejlik, o anterior chefe do Comando de Operações Especiais das Forças do Corpo de Fuzileiros – o último dos ramos do exército a se incorporar ao SOCOM em 2006 – indicou, por exemplo, que previa duplicar sua antiga unidade de 2.600 efetivos. “Vejo-os como uma força que um dia terá cerca de 5 mil membros, o equivalente à cifra de SEAL que há em campos de batalhas. Entre 5 mil e 6 mil”, disse em um café da manhã celebrado no mês de junho com jornalistas da área da defesa em Washington. Os planos de longo prazo estão exigindo já que a força aumente em 1.000 efetivos.
Durante sua recente audiência de confirmação no Senado, o vice-almirante da Marinha, William McRaven, o recém chegado chegue do SOCOM e o retirante chefe do JSOC (o que comandava durante o ataque contra bin Laden) aprovou uma rápida taxa de crescimento de 3% a 5% em um ano, enquanto tentava conquistar ainda mais recursos, incluindo aviões teleguiados e a construção de novas instalações para operações especiais.
Um ex-SEAL, que todavia em ocasiões acompanha as tropas ao campo de trabalha, McRaven, manifestou que pensava que como as forças convencionais estavam diminuindo no Afeganistão, as tropas de operações especiais deveriam ter cada vez um maior papel. O Iraque, acrescentou, sairia beneficiado se as forças estadunidenses continuassem trabalhando ali uma vez superado o limite de 2011 para uma retirada total das tropas estadunidenses. Também assegurou ao Comitê de Serviços Armados do Senado que “como antigo comandante da JSOC, posso lhe dizer que trabalhamos muito duro no Iêmen e na Somália”.
Durante um discurso no Simpósio Anual sobre Conflitos de Baixa Intensidade e Operações Especiais da Associação Industrial da Defesa Nacional celebrado no início do ano, o Almirante da Marinha Eric Olson, o chefe retirante do Comando de Operações Especiais, mencionou uma imagem de satélite obtida pela noite. Antes do 11-S, consideravam-se zonas chave as porções iluminadas do planeta – em sua maioria nações industrializadas do norte global. “Mas o mundo mudou muito na última década”, disse. “Nosso enfoque mudou em grande medida ao sul... sem dúvida dentro da comunidade de operações especiais, enquanto abordamos as ameaças emergentes desde lugares não iluminados”.
Com esse fim, Olson lançou o “Projeto Lawrence”, um esforço para aumentar as habilidades culturais – como formação avançada em línguas e melhores conhecimentos da história e costumes locais – para as operações no estrangeiro. O programa foi chamado assim pelo oficial britânico, Thomas Edward Lawrence (mais conhecido como “Lawrence da Arábia”), que se uniu aos combatentes árabes para empreender uma guerra de guerrilha no Oriente Médio durante a I Guerra Mundial. Mencionando o Afeganistão, Paquistão, Mali e Indonésia, Olson acrescentou que o SOCOM necessitava agora “Lawrences em todas as partes”.
Ainda que Olson tenha referido apenas 51 países que constituíam objeto de preocupação para o SOCOM, Nye me disse determinada vez que as forças das Operações Especiais estão empregadas, aproximadamente, em 70 nações de todo o mundo. Toda elas, apressou-se em acrescentar, sob pedido dos governos anfitriões.
Segundo a testemunha de Olson nos primeiros anos ante o Comitê de Serviços Armados do Congresso, aproximadamente 85% das tropas de Operações Especiais empregadas no estrangeiro se encontram em vinte países de área de operações da CENTCOM no Grande Oriente Médio: Afeganistão, Barein, Egito, Irã, Iraque, Jordânia, Cazaquistão, Kuwait, Quirguistão, Líbano, Omã, Paquistão, Qatar, Paquistão, Arábia Saudita, Síria, Tadjiquistão, Turcomenistão, Emirados Árabes Unidos, Uzbequistão e no Iêmen. O restante está disperso por todo o mundo, desde a América do Sul até o Sudeste Asiático, algumas em pequeno número, outras em grandes contingentes.
O Comando das Operações Especiais não quer revelar exatamente em quais países atuam suas forças. “Obviamente, estamos indo a alguns lugares onde não é vantajoso que digamos estar ali”, diz Nye. “Nem todas nações anfitriãs querem saber, qualquer que sejam as razões, que podem ser internas ou regionais”.
Mas não é nenhum segredo (ou ao menos é muito mal guardado) que as supostas tropas de operações especiais negras, como os SEAL e a Força Delta, estão levando a cabo missões de captura e assassinato no Afeganistão, Iraque, Paquistão e Iêmen, enquanto as forças “brancas” como os Boina Verdes e os Rangers estão treinando seus sócios indígenas como parte de uma guerra secreta mundial contra al-Qaeda e outros grupos militantes.
Por exemplo, nas Filipinas os Estados Unidos gastam 50 milhões de dólares anualmente em um contingente de 600 efetivos das Forças de Operações Especiais do exército, os SEAL da Marinha, em operadores especiais da Força Aérea e outros que levam a cabo operações de contraterrorismo com aliados filipinos contra grupos insurgentes como a Yemaah Islmiyah e Abu Sayaf.
No ano passado, como revelam uma análise de documentos do SOCOM, de documentos de fontes abertas do Pentágono e de uma base de dados das missões das Operações Especiais recopilados pela jornalista investigativa Tara McKelvey (para Iniciativa de Jornalismo de Segurança Nacional da Faculdade Medill de Jornalismo), a maioria das tropas de elite estadunidenses realizaram exercícios de treinamento conjunto em Belize, Brasil, Bulgária, Burkina Faso, Alemanha, Indonésia, Mali, Noruega, Panamá e Polônia.
No passar do ano levaram a cabo missões de treinamento parecidas na República Dominicana, Jordânia, Romênia, Senegal, Coreia do Sul e Tailândia, entre outras nações. Na realidade, disse-me Nye, nestes momentos os trabalhos de treinamento continuam em quase todas as nações onde as Forças de Operações Especiais estão empregada. “Dos 120 países que visitamos no final do ano, eu diria que na imensa maioria há exercícios de treinamento de uma forma ou outra. Poderiam se classificar como exercícios de treinameno”.
A elite do poder do Pentágono
Em outro tempo enteadas abandonadas do establishment militar, as Forças de Operações Especiais cresceram exponencialmente não só no tamanho e orçamento mas também em poder e influência. Desde 2002, autorizou-se o SOCOM a criar seus próprios Destacamentos Especiais Conjuntos – como o Destacamento Especial de Operações Conjuntas nas Filipinas –, uma prerrogativa limitada normalmente a comandos combatentes mais amplos, como o CENTCOM. Este ano, sem muita fanfarra, o SOCOM estabeleceu também seu próprio Destacamento Especial de Aquisições Conjuntas, um grupo de desenhistas de equipamentos e especialistas em aquisições.
Com controle sobre o orçamento, o adestramento e equipamento de suas forças, os poderes normalmente reservados aos departamentos (como o Departamento do Exército ou o Departamento da Marinha), em que se dedicam dólares em cada orçamento do Departamento de Defesa e influentes defensores no Congresso, na atualidade o SOCOM é um ator excepcionalmente poderoso no Pentágono.
Com verdadeiro peso, pode ganhar batalhas burocráticas, comprar tecnologia de ponta e se dedicar a investigações marginais como transmissões demensagens eletrônicas das lideranças das pessoas ou desenvolver com sigilo tecnologias secretas para as tropas de terra. Desde 2001, os contratos importantes concedidos a empresas pequenas – as que produzem geralmente equipamento especializado e armas – aumentaram seis vezes.
Com seus quartéis na Base da Força Aérea Macdill na Flórida, mas operando no exterior desse cenário, os comandos se estendem por todo o planeta, incluindo o Havaí, Alemanha e Coreia do Sul, e estão ativos na maioria dos países; o Comando de Operações Especiais agora é uma força em si mesmo.
Como chefe retirante do SOCOM, Olson disse no início do ano: o SOCOM “é um microcosmos do Departamento de Defesa, com componentes de terra, mar e ar, presença global e autoridades e responsabilidades que são reflexo dos departamentos militares, dos serviços militares e das agências de Defesa”.
Encarregado de coordenar os planos do Pentágono contra as redes globais do terrorismo e, como consequência, estreitamente conectado com outras agências governamentais, exercícios estrangeiros e serviços de inteligência, e armado com um imenso inventário de helicópteros sigilosos, aviões tripulados de ala fixa, aviões teleguiados imensamente armados, lanchas rápidas de fogo a bordo dotado de alta tecnologia, Humvees especializados e veículos encouraçados blindados resistentes a minas e emboscadas, o MRAP (sigla em inglês), bem como outros equipamentos de vanguarda (com mais a caminho), o SOCOM representa algo novo no exército.
Ainda que o velho erudito do militarismo Chalmers Johnson se referisse à CIA como “o exército privado do presidente”, hoje o JSOC assume esse papel, atuando como o chefe executivo dos esquadrões privados para assassinar, e seu parente SOCOM funciona como uma nova elite do poder do Pentágono, um exército secreto dentro do exército que possui poder local e alcance global.
Em 120 países de todo o globo, as tropas do Comando de Operações Especiais levam a cabo sua guerra secreta de assassinatos de alto perfilmatanças de perfil baixo, operações de captura e sequestroataques noturnos com chutes na porta, operações conjuntas com forças estrangeiras e missões de treinamento com sócios locais como parte de um conflito nas sombras da qual a maioria dos estadunidenses carecem de informação. Em outro tempo “especiais” por serem pequenos, enxutos, equipes que atuavam foram, hoje são especiais por seu poder, acessos, influência e aura.
Essa aura se beneficia agora de uma campanha de relações públicas bem orquestrada que lhes ajuda a projetar uma imagem sobrehumana em casa e fora, mesmo que muitas de suas atividades atuais permaneçam na sombra cada vez mais ampla. A visão típica que tratam de difundir pode se encontrar na declaração do Almirante Olson: “Estou convencido de que as forças... são os sócios culturalmente mais compenetrados, os caçadores de assassinos mais letais e os assessores, treinadores, solucionadores de problemas e guerreiros mais responsáveis, ágeis, inovadores e eficazes que qualquer nação poderia oferecer”.
Recentemente, no Fórum de Segurança do Instituto Aspen, Olson oferece alguns comentários igualmente adoçados e também alguma informação enganosa ao afirmar que as Forças das Operações Especiais dos Estados Unidos estavam operando só em 65 países e implicadas no combate só em dois deles. Quando lhe perguntaram pelos ataques de aviões não tripulados no Paquistão, segundo as informações, contestou: “Você está falando de explosões não atribuídas?”.
Entretanto, algo o escapou. Disse, por exemplo, que as operações negras, como a missão de Bin Laden, com comandos aerotransportados realizando ataques noturnos, já era algo excepcionalmente comum. Cada noite se levam a cabo mais ou menos uma dezena, disse. Entretanto, talvez seja ainda mais esclarecedor o comentário que prontamente fez sobre o tamanho do SOCOM. Justo agora, sublinhou, as forças de Operações Especiais dos Estados Unidos são aproximadamente tão grandes como todo o exército do Canadá em serviço ativo. Na realidade, a força é muito maior que os exércitos em serviço ativo de muitas das nações onde as tropas de elite estadunidenses operam todo ano e foi decidido que sigam crescendo.
Os estadunidenses têm que ser conscientes já do que significa ter uma força “especial” tão imensa, tão ativa e tão secreta, e não é muito provável que comecem a sê-lo até que disponham de maior informação. E essa informação não vai ser facilitada por Olson ou suas tropas. “Nosso acesso [a países estrangeiros] depende de nossa capacidade para não falar disso”, disse em resposta a perguntas sobre o caráter secreto do SOCOM. Quanto as missões se veem submetidas a escrutínio, como no assalto a Bin Laden, as tropas de elite se sentem molestadas. O “exército secreto” do exército, disse Olson, quer “regressar às sombras e fazer ali o que tenha que ser feito”. 
Nick Turse é historiador, ensaísta e jornalista investigativo. É editor associado de TomDispatch.com e novo redator de Alternet.org, seu último livro é The Case for Withdrawal from Afghanistan  (Verso Books).
Tradução de Sinfo Fernández para Rebelión e Lucas Morais para Diário Liberdade

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