O neocapitalismo em crise


exta, 02 Setembro 2011 02:00
020911_neo_capitalismo_em_criseDiário Liberdade - Publicamos por primeira vez em língua galego-portuguesa um texto do crítico de economia política francês Jacques Valier traduzido polo colaborador do Diário Liberdade José André Lôpez Gonçâlez.

Jacques Valier é professor emérito da Universidade de Paris X - Nanterre como um especialista na história do pensamento económico e subdesenvolvimento. Doutor de Estado em Economia em 1965, tem publicado entre outras obras: Sur l´imperialisme (Em volta do imperialismo) Edições Maspero, 1977; Technologies du savoir et de l'information: effets et impact sur la division internationale du travail, (Tecnologias do saber e da informação: efeitos e impacto na divisão internacional do trabalho) Université de Paris X, Thèse de sciences économiques; Junto com Pierre Salama: L'économie gangrénée (A economia gangrenosa), 1986; Essai sur l'hyperinflation (Ensaio sobre a hiperinflação), La Découverte, 1990; em parceria com Pierre Salama, Pauvretés et inégalités dans le tiers-monde (Pobreza e desigualdade no Terceiro Mundo, La Découverte, 1994; Brève histoire de la pensée économique - d'Aristote à nos jours (Uma breve história do pensamento econômico - de Aristóteles até o presente, Champs Flammarion, 2005).
O neocapitalismo em crise
Jacques Valier
1973
Primeira Edição: La crise du dollar, Ed. Ligue communiste. Document rouge 10 - Paris.
Fonte: El neocolonialismo en crisis, (no volume La crisis del dólar de Ernest Mandel, Jacques Valier, Liga Comunista e Patrik Florian, traduzido por Odilia Funes para o espanhol), Ediciones del Siglo, Buenos Aires - República Argentina, 25 de Abril de 1973, pp. 7-32.
Tradução para português da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Março, 2008.
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Introdução
1) O desenvolvimento do modo de produção capitalista sempre foi contraditório. A contradição fundamental é a que existe entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes. Esta contradição manifesta-se pola existência duma tendência para a baixa da taxa de lucro. Por sua vez, a luita contra esta tendência constiuti o nó central da passagem do capitalismo de livre concorrência ao capitalismo monopolista, através dum processo de concentração e centralização do capital, e do imperialismo.
Mas esta centralização do capital e o imperialismo não bastam para travar a tendência para a baixa da taxa de lucro, e esta manifesta-se periodicamente quando das crises de sobreprodução. Estas crises são a manifestação do jogo da lei do valor no modo de produção capitalista, lei que, neste caso, vem sinalar a posteriori (depois de as mercadorias terem sido produzidas) que foi esbanjado tempo de trabalho. As empresas que não trabalham nas melhores condições de produtividade, com as taxas mais baixas, são eliminadas.
2) As crises aprofundaram-se, no decurso da história do modo de produção capitalista, para chegar à situação dos anos 30.
Mais precisamente, em 1916, em O imperialismo, estádio supremo do capitalismo, Lenine caracterizava o período que se avecinhava como de putrefacção do capitalismo, das crises, das guerras e das revoluções. Por putrefacção, Lenine entendia a existência duma tendência para a estagnação.
Ainda mais precisamente, no capitalismo de livre concorrência existe uma tendência para acumular que nasce por:
a) A luita de classes: a mais-valia é, com efeito, o fundamento económico do poder de classe da burguesia. Por isso, tem que reproduzi-la e, para isso, tem de acumular uma parte dela.
b) A concorrência intercapitalista: os capitalistas, sob a pressão da concorrência são forçados a crescer ou a desaparecer. Com efeito, para preservarem ou ampliarem a sua parte do mercado, os capitalistas, considerados individualmente, teem que baixar os seus preços. Para baixar os seus preços sem diminuir os lucros teem que baixar os custos, aumentar a produtividade do trabalho. Portanto, são obrigados a aumentar as suas capacidades de produção e, para realizar capacidades de produção suplementares, teem de acumular.
No capitalismo monopolista, esta tendência existe sempre (ainda que toma formas diferentes), mas ao lado dela aparece a tendência para a estagnação: os monopólios podem obter provisoriamente taxas de lucro mais elevadas se travam a taxa de acumulação. Esta estagnação sempre existe no capitalismo de monopólio, trata-se sempre duma tendência, mas não aparece automaticamente na realidade.
Todavia, esta tendência predominou largamente no período entre as duasguerras. Materializou-se, como enxergou com certeza Trotski, na crise dos anos 30.
Entretanto, o capitalismo não estava mecanicamente condenado. Esta crise tão profunda só podia encontrar como solução provisória uma solução política. Agora aparecia com grande clareza a escolha entre socialismo ou barbárie. O desvio das luitas obreiras, nas experiências do tipo Frente Popular ia permitir à burguesia achar a solução política provisória das suas contradições económicas: o fascismo.
Isto quer dizer que a escolha entre socialismo ou barbárie é uma escolha ultrapassada? Disso nada. O neo-capitalismo não é um novo modo de produção, mas um novo funcionamento do mesmo modo de produção capitalista, determinado por leis de desenvolvimento contraditórias.
Ainda que durante certo tempo, de 1945 até dos anos de 60, pudesse parecer que a escolha socialismo ou barbárie já não seria possível, o funcionamento do modo de produção capitalista permaneceu eminentemente contraditório.
Além disso, a partir dos anos 60 as contradições exacerbaram-se. O neocapitalismo entrou em crise e a escolha socialismo ou barbárie pôs-se de novo claramente. Examinaremos portanto:
I. O funcionamento contraditório do neocapitalismo (de 1945 até os anos 60).
II. A exacerbação das contradições e a crise do neocapitalismo (a partir dos anos de 60).
I. O funcionamento contraditório do neo-capitalismo
Precisemos primeiro que a expansão da economia imperialista na Europa Ocidental, a partir de 1945, não foi um produto automático das forças económicas, mas ao contrário, o produto de:
a) O esmagamento do movimento operário polo fascismo que permitiu o crescimento da taxa de mais-valia. Esta é a origem dos "milagres" alemão, japonês e italiano. Não foi por acaso que, nos países onde o fascismo machucou mais fortemente o movimento obreiro, o desenvolvimento a partir de 1945 tenha sido mais importante.
b) A traição das possibilidades revolucionárias no após guerra do proletariado europeu por parte das direcções operárias estalinistas e social-democratas. Lembremos que em 1945 as palavras de ordem do Partido Comunista Francês eram: "refuçemos para reconstruir a França", "a greve é a arma dos trusts" e "um só Estado, um só exército, uma só polícia".
Dito isto, três pontos podem caraterizar o capitalismo de 1945 a 1960:
1. aparece um certo número de mudanças, ao nível do seu funcionamento,
mas,
2. não mudou nem a sua natureza, nem a sua lógica, e ainda mais,
3. aparecem novas contradições.
1) As mudanças no funcionamento do capitalismo
a) Nos países capitalistas avançados, o capitalismo de monopólio conheceu, desde 1945 até ao início dos anos 60, um importante desenvolvimento das forças produtivas.
O capitalismo beneficiou na Europa Ocidental e no Japão duma taxa de crescimento económico sem precedente.
Ao mesmo tempo, a progressão das trocas mundiais foi bastante rápida: em 1961, o volume de produtos manufacturados tinha triplicado em relação a 1938 e mais que duplicado em relação a 1950.
Durante este período, certas contradições, nos países capitalistas avançados, manifestaram-se com menos força: flutuações da produção menos amplas, crises menos catastróficas, desemprego permanente inferior ao exército de reserva do período entre as duas guerras ou ao existente actualmente nos países coloniais e semi-coloniais.
b) Se se quer resumir rapidamente as causas desses fenómenos, podem-se enunciar três causas principais:
1. A mais importante está ligada às intervenções económicas do Estado burguês. O Estado sempre interveu na vida económica, desde o nascimento do modo de produção capitalista, para favorecer o seu desenvolvimento e racionalizar o seu funcionamento concordando com os interesses da burguesia.
No entanto, desde há trinta anos, houve importantes transformações quantitativas e qualitativas (formas de intervenção) nas intervenções económicas do Estado burguês.
Na maioria dos países capitalistas avançados, as despesas públicas representam 20 a 25% da despesa nacional, e o Estado aparece verdadeiramente como a garantia dos lucros dos monopólios.
Entre as despesas públicas, notar-se-á o papel, a maior parte das vezes decisivo, das despesas militares, mantidas de forma permanente a um nível considerável, o que é um fenómeno sem precedente na história do capitalismo (cerca de 10% da despesa nacional nos Estados Unidos).
Estas despesas são, por certo, a fonte de encomendas muito importantes aos sectores-chave da indústria (electrónica, aeronáutica…). Se tomarmos o exemplo dos Estados Unidos, podem-se notar dous factos que mostram a importância do papel que desempenham as despesas militares.
Em 1939, os desempregados representavam ainda 17% da população activa e o nível da produção ainda é inferior ao atingido em 1929 nas vésperas da crise. No entanto, de 1933 a 1939, as despesas governamentais civis tinham aumentado consideravelmente (política do New Deal). Só o crescimento considerável das despesas militares a partir de 1939 vai permitir a reabsorção duma parte dos desempregados e desenvolver a produção.
Por outro lado, o seguinte quadro mostra-nos a importância das despesas militares na diminuição do desemprego, em relação à situação dominante de 1939:
(percentagem em relação à população activa)
Anos              Total de desempregados e de              desempregados           Obreiros que trabalham na
                       operários que trabalham na                                                      produção de bens e
                      produção de bens e serviços                                                   serviços destinados aos
                               para os militares                                                                       militares
1939                               18,8%                                      17,2%                                    1,6%
1961                               16,1%                                       6,7%                                     9,4%

Assim, o modo de produção capitalista só pode desenvolver as forças produtivas utilizando-as num processo de produção destinado a fabricar objectos de destruição. A indústria de armamento se tem tornado uma saída fundamental para as forças produtivas (cf. Trotski: Europa e América).
Por fim, notemos que não só as despesas militares são fonte de saídas remuneradoras para a indústria privada, mas também que o Estado burguês financia a maior parte das compras de armamento, subtraindo antecipadamente os recursos, sob a forma de impostos, ao poder de compra dos trabalhadores.
2. A segunda causa situa-se ao nível da acumulação do capital. A necessidade que tem o grande capital de manter ou aumentar os seus lucros, dando entrada as últimas inovações tecnológicas e desenvolvendo as suas capacidades de produção, levou-o a propôr a abertura de fronteiras. Eis a origem do aumento da concorrência entre os grandes trusts, primeiro ao nível nacional e depois internacional. Portanto, estes grandes trusts foram cada vez mais obrigados a baixar os seus custos e, para isso, a aumentar as suas capacidades de produção e a acumular fortemente.
Os economistas burgueses falaram, a este respeito, de "investimentos forçados". Em certas indústrias constatava-se, por exemplo, que mesmo em situações em que a capacidade de produção só era utilizada em 70 - 80%, e em que a procura estagnava, os capitalistas continuavam investindo para baixarem os seus custos e ficarem numa situação mais favorável para manter ou aumentar a sua parte do mercado.
3. A terceira causa está ligada ao que se chamou o neo-colonialismo. A "independência" política, alcançada muitas vezes ao preço de ensanguentadas luitas, fez crer que o sistema imperialista teria dificuldade para se abastecer a bom preço, para vender os seus produtos apropriando-se de sobrelucros.
Na realidade, nada disso aconteceu. Todos aqueles cujo cordão umbilical permanece ligado ao Ocidente properaram nos postos governamentais, permitindo assim a continuação da exploração.
Favorecidos pola prática dum sistema neo-colonial de exploração, os lucros extraídos dos países chamados sub-desenvolvidos foram consideráveis. Por exemplo, de 1950 a 1965, 3,8 biliões de dólares investidos na América Latina, resultaram 11,3 biliões de lucros declarados. (Acrescentemos que a abertura dos livros de contas destas sociedades revelaria certamente um lucro ainda mais considerável).
Para além destas mudanças no modo de produção capitalista, este não mudou de natureza, nem de lógica.
2) capitalismo não mudou de natureza nem de lógica
a) A natureza do modo de produção capitalista não mudou. A sua característica essencial é, e não pode deixar de ser, a exploração da força de trabalho polo capital, ainda que a importância relativa das diversas modalidades de exploração mude segundo a forma histórica que revista o modo de produção capitalista.
Esta exploração manifesta-se, sobretudo, pola apropriação privada da mais- valia criada polos trabalhadores, o que implica a existência de relações hierárquicas no local de trabalho e, de maneira mais geral, a ausência de contrôle polos trabalhadores dos objectivos económicos e sociais da sociedade.
Por outros termos, é falso afirmar como alguns (cf. por exemplo: A. Gorz, Stratégie ouvriere et Néo-capitalisme1) que "a recusa da sociedade perdeu nos países capitalistas avançados a sua base material". Já não se estima que o motor da revolução socialista se encontra nas contradições objectivas do capitalismo, mas sim nos méritos comparados dos "modelos" capitalista e socialista. Mas os que pensam desta forma, colocam-se pura e simplesmente no idealismo.
Sempre do ponto de vista da natureza do modo de produção capitalista, notemos que, para além da exploração da força de trabalho polo capital, o neo-colonialismo caracteriza-se sempre pola existência duma concorrência inter-capitalista, concorrência que dá nascimento à tendência para acumulação.
Decerto, as formas da concorrência que caracterizam a acumulação no capitalismo monopolista são diferentes das formas de concorrência que caracterizavam a acumulação no capitalismo da livre concorrência e, paralelamente, as formas que toma a tendência para acumular, modificaram-se. Mas esta concorrência inter-capitalista existe sempre: é inerente ao modo de produção capitalista, e toma simplesmente formas diferentes segundo as diferentes formas históricas que adopta o modo de produção.
b) A lógica do modo de produção capitalista é sempre a mesma. As contradições que regem o sistema capitalista: crises, concentrações e desemprego, imperialismo, são as que regem o neo-capitalismo, ainda que o peso específico de cada uma destas contradições não seja o mesmo que anteriormente, se bem que as crises sejam menos profundas que antes da guerra, etc...
Além disso, esta nova fase na história do capitalismo não só mantém as contradições do modo de produção capitalista, sobre as quais se concentravam no passado as crises económicas e sociais, mas igualmente acrecenta outras fontes da crise, outras contradições.
3. O aparecimento de novas contradições
a) Se se estimar primeiramente o caso do "centro" do processo produtivo mundial (países capitalistas desenvolvidos), reparar-se-á que as novas formas que toma a tendência para acumulação ou, mais precisamente, que a acção dos monopólios e as formas específicas das intervenções económicas do Estado burguês (dous elementos essenciais para caracterizar o neo-capitalismo e a forma que toma nele a tendência para acumular) se reflectem ao nível financeiro, pola existência duma alta dos preços permanente, chamada às vezes inflação rastejante, fenómeno novo, pola sua permanência, na história do capitalismo. A alta de preços permanente, a inflação permanente, é a expressão financeira das características contemporâneas da acumulação do capital. Não é devida, como afirmam os economistas burgueses, à alta dos custos salariais; teoria esta que é falsa.
No plano lógico, uma alta dos salários nominais superior à alta da produtividade não conduz automaticamente à alta dos preços, no plano teórico.
Uma alternativa consiste numa redistribuição dos rendimentos em favor dos assalariados. Se os preços aumentam é porque os capitalistas reagem para manter ou aumentar a parte dos lucros. É verdade que a existência duma massa e duma taxa de lucro suficientes são necessárias para o funcionamento do sistema. Mas isto prova simplesmente que a alta dos preços não é o resultado da "maldade" dos capitalistas, mas uma lei inelutável do sistema.
No plano empírico, os próprios estudos estatísticos burgueses mostram-nos que desde 1945, até mesmo nos países capitalistas desenvolvidos, não houve uma melhoria relativa da sorte dos trabalhadores, em relação aos capitalistas, mas polo contrário uma pauperização relativa.
A inflação rastejante, permanente, está ligada, de facto, à acção conjunta dos monopólios que procuram aumentar a sua taxa de lucro e do Estado que procura garantir aos monopólios os aumentos da taxa de lucro. Por outro lado, se face aos ataques dos monopólios e à deteriorização (absoluta ou relativa) do poder de compra dos trabalhadores, as direcções burocráticas dos sindicatos são obrigadas a animar certas luitas exteriormente decididas, sem prejuiço de as travar e, por consequência, desviá-las, reivindicarão então fortes aumentos de salários, importantes baixas da duração do trabalho, etc. Os capitalistas, se forem obrigados a conceder grandes aumentos de salários (o que para eles pode ser um mal menor numa situação em que se desenvolve um processo revolucionário que pode ir até à destruição do Estado burguês, como por exemplo o Maio de 1968 na França), tentarão então fazer repercutir essas altas nos preços, para manterem ou aumentarem a sua taxa de lucro. Desencadeia-se então uma espiral salários-lucros (e não salários-preços, o que é muito diferente) donde decorre uma alta cumulativa dos preços. Por outras palavras, a aceleração da alta dos preços (ou passagem da inflação rastejante a inflação galopante) é apenas a manifestação da exacerbação da luita de classes travada ao nível económico.
O desenvolvimento das luitas nestes últimos anos explica que a inflação galopante apareça cada vez mais frequentemente. Por isso é que nascem os apelos temerosos dos Estados burgueses para se defender o "interesse nacional", que não é mais que do que o interesse do capital.
b) Se nos situamos à periferia do processo produtivo mundial (países coloniais e semi-coloniais), notamos simplesmente que a dominação do imperialismo, a pesar de ter mudado de forma, tem como consequência a estagnação, a concentração das receitas e o aumento do desemprego nessas zonas, bases objectivas para luita de classes e para a revolução colonial cuja importância é reconhecida desde 1945.
Em resumo, de 1945 até os anos de 60, em virtude do esmagamento do movimento obreiro polo fascismo e da traição das direcções operárias em 1945 e polas razões indicadas (a mais importante ligada às despesas do Estado), o funcionamento do modo de produção capitalista foi diferente do que se tinha conhecido no periodo entre as duas guerras mundiais. Mas tem a mesma natureza, a mesma lógica, às que há que acrecentar que apareceram novas contradições.
A partir dos anos de 60 essas contradições vão se exacerbar, e então é possível falar de neo-capitalismo.
II. A exacerbação das contradições e a crise do neo-capitalismo
A extensão em todas as frentes dos combates anti-imperialistas, desde a Indochina aos ghettos negros norte-americanos, passando pola Europa capitalista e polos focos revolucionários da América Latina, testemunha que nos encontramos numa época de crises e de revoluções.
Desde o início dos anos de 60, após uma quinzena de anos durante os quais a revolução mundial fôra quase limitada, nos factos, ao sector dos países coloniais e semi-coloniais, começou um novo período distinguido pola ascenção generalizada das luitas obreiras na Europa Ocidental. Polas formas que revestiram (greves com ocupação, manifestações combativas) e polas palavras de ordem (aumento de salários uniformes, contestação da organização capitalista do trabalho) essas luitas mostravam uma forte combatividade operária.
Esta ascenção, acompanhada duma grande crise de direcção do imperialismo norte-americano, em virtude dos seus fracassos em Vietnã, permitiu que a revolução colonial atingisse uma nova força.
Nunca na história contemporânea, mesmo após a revolução de 1917, se assistiu a uma escalada tão geral, tão internacional das luitas. É tanto mais poderosa quanto é certo que as massas se levantaram também nos Estados operários brucraticamente degenerados para expulsar a burocracia do poder e criar a democracia dos conselhos obreiros. Os últimos acontecimentos na Polónia(2) são bem significativos a este respeito.
Esta ascenção das luitas, a multiplicação das crises revolucionárias no mundo inteiro a partir dos anos de 60 testemunha, no que respeita aos Estados obreiros burocráticos, a crise do estalinismo e, no que respeita ao mundo capitalista, a exacerbação, à escala internacional, das contradições imperialistas.
Analisaremos essas contradições, primeiramente nos países capitalistas avançados e depois nos países coloniais e semi-coloniais.
A crise nos países capitalistas avançados
a) A partir dos anos de 60, comezam a se manifestar dificuldades tanto ao nível da criação duma mais-valia suplementar, como a nível da sua realização.
Ao nível da criação duma mais-valia suplementar, o próprio desenvolvimento da combatividade obreira reduziu as possibilidades de aumentar a taxa de mais-valia. É característico, a este respeito, o fracasso das políticas de integração, mesmo nos países onde as direcções sindicais tinham aceitado o jogo da "política dos salários". Nos Países-Baixos, por exemplo, a "política dos salários", na qual colaboraram estreitamente as direcções sindicais que mesmo aceitaram por duas vezes, em nome do "interesse nacional", que fossem previstas nos contratos baixas de salários reais, explodiu literalmente sob a pressão da base em 1963-64. Esses fenómenos se produziram na maior parte dos países da Europa Ocidental.
Ao nível da realização da mais-valia, começou a desenvolver-se a crise dos mercados.
Uma das principais fontes de mercados para o neo-capitalismo é, como vimos de dizer, as despesas do Estado e sobretudo as despesas de armamento.
Ora, é necessário constatar que os efeitos estimulantes da produção de armamentos sobre a economia declinam a partir do momento em que atingem um nível colossal e em que um novo "lançamento" a longo prazo necessitaria um novo aumento das despesas militares, que até mesmo a economia norte-americana não poderia suportar. Assim é como as despesas de armamento para a guerra de Vietnã obrigaram à burguesia norte-americana a reduzir as despesas para a investigação espacial.
A estas considerações é necessário agregar a existência de limites "sociais" ao crescimento das despesas de armamento, na medida em que a ascensão das luitas torna mais difícil tirar aos trabalhadores as somas indispensáveis ao financiamento das despesas de armamento.
Esta crise de saídas é bem mais grave desde que é certo que, ao nível das despesas privadas existe uma tendência, desde há alguns anos, de insuficiência na procura. Quanto à procura de bens de consumo, a tendência para a insuficiência é devida à estagnação do emprego no sector industrial e à escassez relativa de capital-dinheiro para os trusts, o que os obriga a fazer maior pressão sobre os salários. Quanto aos bens de equipamento, a tendência para a insuficiência é devida ao facto de a tendência para a acumulação se manifesta mais numa mudança na forma do que no volume do investimento. São os monopólios existentes, mais do que as firmas novas, as que realizam as inovações tecnológicas. Por isso, os investimentos que incorporam os novos métodos de produção substituem os velhos mais do que lhes acrecentam.
b) Essas dificuldades cada vez maiores de realização tiveram por consequência uma exacerbação da concorrência inter-capitalista, que por sua vez trouxe como consequência uma internacionalização acrescida do movimento de capitais, sobretudo entre países capitalistas avançados (cf. o crescimento considerável dos movimentos de capitais norte-americanos para a Europa, ou a criação da Comunidade Económica Europeia).
Mas então surge um problema: essa exacerbação da concorrência inter-capitalista e essa internacionalização dos movimentos de capitais tornavam absolutamente necessária a luita dos burgueses contra a inflação, na medida em que levantavam o problema dos custos competitivos com maior acuidade e reduziam as possibilidades de aumentar as taxas de lucro pola inflação.
Daí a necessidade para as diversas burguesias de pôr em prática uma dupla política de integração e de repressão do movimento operário. Neste últimos anos, em todos os países capitalistas avançados, tentou-se desenvolver essas políticas de integração (emprego de políticas contratuais diversas com a complicidade, na maior parte das vezes, das burocracias sindicais) e de repressão (limitação do direito à greve, na França, na Inglaterra, na República Federal Alemã…, ataque às liberdades sindicais, repressão violenta de certas formas de luitas…).
Mas este duplo ataque (integração/repressão), condição sine qua non para que o capital se poda desenvolver de maneira orgânica, esbarra com a resistência da classe obreira. Chegue com lembrar os numerosos movimentos de greves, frequentemente surgidos das bases, que sacudiram não só a França (Maio de 1968) e Itália (Maio "desenfreado"), mas também países, por exemplo Suécia ou a República Federal Alemã, onde a classe operária pouco tinha desenvolvido as luitas desde 1945. Esta resistência da classe obreira impede qualquer possibilidade de desenvolvimento orgânico do capital. Isso provoca uma exacerbação das contradições sob um duplo ponto de vista:
1. Nos próprios países capitalistas avançados, assiste-se, desde há alguns anos, a um aumento importante do desemprego. O desemprego depende, num primeiro tempo, da relação entre o aumento da produtividade do trabalho e o crescimento da taxa de acumulação de capital (ele próprio ligado à existência de excedentes e de taxas de lucro suficientes). Esta relação determina a procura de força de trabalho que, num segundo tempo, será comparada à oferta de força de trabalho polos trabalhadores.
Ora, temos dito que a acumulação monopolista provocava uma mudança maior na forma do que no volume do equipamento: o equipamento novo substitui o antigo, mais do que lhe acrescenta. Daqui resulta uma taxa de acumulação que cresce insuficientemente em relação à alta da produtividade do trabalho, resultando uma procura de força de trabalho demasiado fraca e uma estagnação e um aumento da insegurança do emprego para os trabalhadores produtivos do sector industrial. Esta estagnação transforma-se em desemprego crescente polo prosseguimento do processo de concentração e de centralização do capital, inevitável pola exacerbação da concorrência.
Por fim, é necessário acrescentar que o fracasso parcial das políticas de integração-repressão levadas a cabo para luitar contra a inflação obriga os burgueses a utilizar periodicamente “planos de estabilização”, que sempre comportam medidas tendentes a aumentar o desemprego. Um recente e célebre relatório elaborado polos peritos burgueses da OCDE toma clara posição a favor de um aumento do desemprego para luitar contra a inflação.
Eis, portanto, brevemente resumidas as razões que explicam porque a importância das despesas improdutivas (públicas e privadas) não chegam para impedir o crescimento do desemprego nestes últimos anos nos países capitalistas avançados.
2. A exacerbação das contradições sobressai igualmente por um desenvolvimento mais agudo da concorrência inter-capitalista e , sobretudo, da concorrência entre as diversas burguesias nacionais.
Este agravamento da concorrência entre burguesias nacionais reflecte-se na permanente instabilidade do sistema monetário internacional a partir dos anos de 60.
A crise do Sistema Monetário Internacional, que começa em 1962 com a primeira falência da libra esterlina, inaugura um período de dificuldades monetárias que exprimem as contradições no seio do processo produtivo mundial.
O Gold Exchange Standard é um sistema de financiamento internacional que permite ao país cuja moeda serve de moeda de reserva, neste caso os Estados Unidos, fazer pagar as suas despesas polas outras economias capitalistas. Os Estados Unidos, ao comprarem as empresas francesas, pagam aos capitalistas franceses em dólares que estes últimos depositam nos bancos norte-americanos e que podem, dessa maneira, reutilizá-los no estrangeiro. Tudo se passa como se os capitalistas norte-americanos que compraram as empresas aos seus homólogos franceses, não lhas tivessem pago.
Certamente, esta posição privilegiada não cai do céu, mas resulta de a moeda de reserva permitir comprar mercadorias tecnicamente indispensáveis e que são fabricadas essencial ou esclusivamente pola economia considerada.
A hegemonia norte-americana procede, portanto, do seu lugar no processo produtivo mundial. Contudo, a hegemonia duma economia mundial não é um dado eterno. E precisamente, na concorrência inter-capitalista, as burguesias alemã e japonesa estão a opor-se cada vez mais à hegemonia da burguesia norte-americana. Esta começa a tornar-se vítima do desenvolvimento desigual. Ainda mantendo o seu domínio absoluto, encontra-se num período de declínio relativo.
Nesta concorrência, as burguesias alemã e japonesa aproveitam também as possibilidades de exploração que lhes deixa o esmagamento dos seus movimentos obreiros polo fascismo e a “ajuda” que lhes trouxe a própria burguesia norte-americana logo após a segunda guerra mundial.
A concorrência inter-capitalista, que põe em causa a hierarquia existente no seio do processo produtivo mundial, põe assim em causa a hierarquia das moedas nacionais, isto é, a crise do SMI, à que são adidas as tendências especulativas, meio que utiliza a burguesia para se proteger.
O imperialismo norte-americano não pode sair da seguinte contradição:
— ou conservar a hegemonia monetária tentando suprimir a inflação interna, o que implica uma redução da acumulação e portanto um aumento do desemprego.
— ou prossegue a acumulação aceitando a inflação, o que põe em causa imediatamente a hegemonia do dólar, mas provoca a peda de certos mercados obrigando a reduzir a acumulação e, portanto, suscitando um aumento do desemprego.
São compreensíveis os apelos de Nixon à República Federal Alemã no início de 1970 para que esta aceite uma determinada taxa de inflação necessária à burguesia norte-americana. Mas a burguesia alemã, consciente das suas possibilidades de desenvolvimento recusa sacrificar-se aos interesses dos Estados Unidos. No mesmo sentido, notemos que há algumas semanas fez baixar o dólar alguns pontos.
Por isso, a burguesia norte-americana confronta-se com o crescimento inelutável do desemprego e, portanto, com um risco de radicalização da classe obreira branca, juntando-se ao proletariado negro. Ainda que não é possível datá-la, esta crise é iniludível e obriga os militantes a se prepararem para acarea-la.
A crise nos países coloniais e semi-coloniais
Resumindo rapidamente o essencial, assinalemos três pontos:
1.º) Após a crise do capitalismo mundial dos anos de 1930 que, paradoxalmente, pôde ser favorável ao apogeu duma certa industrialização -—de início substitutiva da importação— das economias sub-desenvolvidas e, portanto, favorável à constituição dum proletariado jovem e à promoção duma burguesia nacional, as dificuldades crescentes para acumular de maneira autónoma o capital, vão minar as próprias bases em que assentava a burguesia nacional. Esta vai-se transformar em burguesia associada ao capital estrangeiro.
Se pegarmos no exemplo da América Latina, a reinserção no processo produtivo mundial das economias subdesenvolvidas, depois da crise do capitalismo mundial dos anos de 1930, significou uma submissão da acumulação do capital, nessas economias, às leis de acumulação mundial.
Os capitalistas dos países sub-desenvolvidos da América Latina foram forçados a investir segundo as formas que lhes impunham os capitalistas dos países imperialistas, sob risco de desaparecerem. Houve, então, uma transmissão do progresso técnico do centro para a periferia suscitando, nessa periferia, o aparecimento de importantes capacidades de produção.
Ora, face a essas importantes capacidades de produção, a procura é fraca em virtude da alta concentração das receitas e da fraca expansão do emprego produtivo. Para compensar a insuficiência do mercado, os sectores que fabricam bens de equipamento aumentam os seus preços. Os sectores que fabricam os bens de consumo procuram então comprar no exterior para não sofrerem essas altas dos preços, que vêm aumentar os custos de produção.
As empresas nacionais têm cada vez mais concorrência e dá-se uma influência crescente do capital estrangeiro. A burguesia nacional só pode sobreviver transformando-se em burguesia associada ao capital estrangeiro. De forma que
como burguesia nacional, desaparece.
Lembremos portanto: 1º) a existência duma tendência para a estagnação das economias subdesenvolvidas; 2º) a inexistência duma burguesia nacional, em virtude da inserção dessas economias no processo produtivo mundial.
2º) É por isso que a própria dinâmica das luitas, quer na Ásia, quer na América Latina, é uma dinâmica de revolução permanente, isto é, uma dinâmica na qual, só frentes de classe (operários-camponeses) dirigidas polo proletariado e a sua vanguarda, podem levar a cabo as tarefas democrático-burguesas de libertação nacional, e na qual, polo próprio papel dirigente do proletariado, a revolução não se fica nas tarefas burguesas, mas actualiza, desde o início, as tarefas socialistas; põe o problema de transformação da Revolução democrático-burguesa em Revolução socialista.
3º) Esta situação é tanto mais grave para a burguesia dos países capitalistas avançados quanto que sofre, como temos visto, duma crise de mercados. De certa forma, tem mais necessidade do que nunca do imperialismo, mas o desenvolvimento das luitas nos países coloniais e semi-coloniais entrava consideravelmente a consecução de lucros.
Daqui resulta a importância da guerra do Vietnã para o imperialismo norte-americano, que, na hora actual, bem tem de proceder à escalada atómica, bem deixar o Vietnã, mas travando uma guerra de extermínio das vanguardas em toda a Ásia (cf. Indonésia, Ceilão, Bengala).
Em conclusão, podemos afirmar que, desde há alguns anos, se está numa viragem do funcionamento do modo de produção capitalista: as contradições exacerbam-se, põe-se de manifesto o fracasso do sistema e a vigência da revolução. Para fazer face às crises, à inflação, à estagnação, ao desemprego que vai aumentando nas próprias metrópoles imperialistas, a burguesia é obigada a procurar um aumento da exploração, mas choca com uma classe obreira que se radicaliza. Este facto leva-nos a pensar que a burguesia, para resolver as suas dificuldades e contradições económicas exacerbadas só vai ter à sua disposição, como nos anos 30, uma solução política: o esmagamento do movimento operário.
Por isso é que aparece claramente mais uma vez a escolha entre socialismo ou barbárie.
Contudo, esta crise do neo-capitalismo apenas abre a via àquela escolha, sem que uma das duas soluções deva necessariamente prevalecer sobre a outra. A exacerbação da crise objectiva do capitalismo não conduzirá nunca automática e fatalmente à sua queda final. Apenas cria as condições totalmente favoráveis à intervenção consciente da classe operária guiada pola sua vanguarda, até ao derrubamento do Estado burguês.
A possibilidade que o socialismo prevaleça em relação à barbárie dependerá, ao fim, duma Internacional revolucionária de massas que, contrariamente às direcções estalinistas, seja capaz de abrir perspectivas revolucionárias e de conduzir a classe obreira à vitória.
Como já notara Trotski em 1938 no Programa de Transição da IV Internacional: "a crise histórica da humanidade reduz-se à crise de direcção revolucionária".

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